December's Blues
Ela era monumental, sentada a lamber o dedo e a enrolar cigarros. A atirá-los para dentro de um copo de plástico, ouvindo o filtro estalar contra o fundo. O tabaco a cair nos pés, unhas de verniz estalado, a confiança de quem fala da sua intimidade como se fosse alheia. Camisa de flanela a tombar-lhe sobre as coxas, dedos dos pés irrquietos quando ri, e o sangue sobe-lhe às maçãs do rosto como se estar satisfeita fosse motivo de vergonha. Depois atirou a cabeça para trás, numa posição de quase êxtase, acendeu um fósforo e levou-o aos lábios.
- Não sei. Acho que as pessoas são demasiado simples para eu as perceber.
Eu tirei-lhe o cigarro de entre os lábios.
- Não te percebo.
- Isso é porque eu sou simples.
Sorriu com os olhos e com a boca e naquele momento quase que a entendi. Olhei para o Cristo na parede e fumei sem dizer nada. Eu queria que chovesse para acabar com aquele silêncio infernal.
- Que estás a fazer?
Encolhi os ombros, passei a língua pelos lábios gretados.
- Estou a absorver.