Johnny Stranger.
Era assombroso, para ser sincera, vê-lo assim. Tão imerso que eu deixava de o ver no matagal dele mesmo.
O que nos uniu primeiro foi uma paixão um pelo outro. Depois, foi uma paixão comum às palavras e às ideias por trás delas, pela maneira como podiam ser cantadas, rolar da língua quase com luxúria (para ele) e pela maneira como podiam ser conjugadas para formar padrões intrincados, pegar numa coisa simples e explicá-la à exaustão da complexidade (para mim). Por isso é que continuávamos ali depois de o deslumbramento ter acabado. Sempre fomos de nos entreter com rococós. Nunca tivemos importância. Éramos só duas pessoas juntas.
Quis escrever sobre isto porque a memória dele aparece-me sem razão, naquele limbo entre acordar e continuar na doce ignorância do sono. Às vezes lembro-me do nome dele, outras não. Mas normalmente fico só em pé naquele mesmo sítio da cozinha, como a pessoa que sou hoje, a olhar para ele e para além dele, como a pessoa que ele era então.
Não sei quem ele é. Agora. Não sei quem ele é agora. Podíamos estar sentados à mesma mesa, a ter exactamente as mesmas conversas, e eu só o acharia vagamente familiar.
Mas ainda lhe vejo a franja molhada a cair para a testa.