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Situação Crítica

Situação Crítica

20/06/13

Dois dedos de mágoa, dois cubos de gelo.

Persegue-me a sensação de uns lábios encostados timidamente à junção do pescoço com o ombro. Uma boca morna que eu reconheço apesar de nunca lhe ter sentido a humidade, a temperatura, a textura.

É um toque que não está lá nem é uma memória de uma sensibilidade subestimulada. É uma utopia.

Nunca fui adepta da sensação de calafrio na espinha, esse sinal de significado quase psíquico de que algo está mal, nem que seja só a temperatura da tarde. Mesmo assim vejo-me cada vez mais paralisada pelo medo de estar a ser observada por uma qualquer força superior que não é Deus, mas é um Ele, sempre foi um Ele desde o primeiro dia, o dia em que nasceu esse monstro disforme e disfuncional em forma de Eu e Ele que anda em agonia por aí fora, deitado numa qualquer calçada portuguesa onde os nossos pés não caminharam juntos.

07/06/13

Passivo.

A única coisa que lhe restava, com a mala feita em cima da cama, as camisas passadas, as calças vincadas, a juventude atirada ao fogo, era chorar o seu desespero. Não tinha futuro incerto, nem desgraças a coroar-lhe a cabeça, mas inudou-o o mais negro arrependimento, o mais profundo terror, de ter sido homem de menos, de ter deixado acontecer porque o tempo resolve tudo.

Não deu a risada seca de um hipócrita. Não olhou em volta com olhos vazios, a recalcar uma infância pouco extraordinária. Chorou. Ruidosamente. Espectacularmente. Limpou o nariz à camisa tão branca e tão lisa, as mãos molhadas às calças.

Ela, por outro lado, estava sentada no chão, a sorrir. Vestida de homem mas com o cabelo solto. Podia ter esticado a mão para lhe tocar no joelho, confortá-lo, dar-lhe só um pouco de calor alheio, perguntado e tentado entender, porque é isso que passamos os dias a fazer. Ela lambeu os lábios e viu enquanto ele se desfazia em lágrimas gordas e inspirações duras. Levantou-se num momento de silêncio e, com um movimento quase violento, empurrou-lhe o queixo para que a olhasse nos olhos.

- Gostava que nunca tivesses existido. Mas estás aqui.

Passou-lhe a mão gentilmente pelo cabelo e ele lembrou-se subitamente do porquê da sua miséria.

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