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Situação Crítica

Situação Crítica

22/06/14

Destruction completed.

As minhas vizinhas do segundo andar vão mudar de casa. Só fico eu e a outra do terceiro andar. Não vão mudar-se para uma distância dramática, é já na rua em frente, não vão ficar prisioneiras do seu próprio T3. Contudo, e por alguma razão misteriosa, sinto que é o fim de uma Era. O fim de um Éon.

No primeiro ano em que morámos juntas, eu costumava invadir o apartamento delas, sentar-me no chão entre as camas com os meus apontamentos de anatomia. Alguém se sentava a enrolar cigarros num canto, alguém lia tomos sobre microeconomia, bebiam-se umas cervejas com vista para Lisboa menina e moça, comiam-se uns tremoços. E eu adormecia no soalho frio, a babar-me sobre uma almofada sebosa do Benfica, acordava de madrugada e arrastava-me silenciosamente escadas acima até à minha própria cama. Alguém se escondia dentro do guarda-fatos para fazer telefonemas, alguém matava mosquitos em pleno Verão com uns chinelos enfiados nas mãos (eu), alguém adormecia em cama alheia com um artigo sobre peritoneu precariamente equilibrado sobre a face (de novo eu - vêm o tema "a dormir em locais indevidos"?). Chegámos a ser acusadas por outras vizinhas de levar a cabo festanças com substâncias ilegais a altas horas da noite. (Enquanto na verdade estávamos reunidas em volta de uma mesinha de cabeceira a comer amendoins. Wild.)

No segundo ano em que morámos juntas, ajudámo-nos umas às outras a vestir o pijama em diversos estados de intoxicação, efectuamos higiene dentária reciprocamente, deslocámos as nossas celebrações para o café do bairro e não hesitámos em fazer interventions em alturas de extrema necessidade. Bebeu-se poncha da Madeira. Nesse ano, não houve Semana Académica, mas houve cantar na rua às duas da manhã. Houve sustos, riso histérico e danças eróticas com garrafas de água ao som de música brasileira.

No terceiro ano em que morámos juntas, houve quem chorasse, houve quem gritasse. Coleccionaram-se copos de plástico peganhentos de bebidas alcoólicas pouco indentificáveis para se beber mais uma cerveja, só mais uma. Dormimos no Outono tostadinho do Alentejo, fomos a velórios e apresentaram-se namorados à família. A dona da amofada sebosa celebrou um campeonato e ninguém teve ressentimentos. Escreveram-se fitas, comeu-se bolo e bebeu-se champanhe. Fizeram-se planos a longo prazo e a curto também. 

As minhas vizinhas do segundo andar vão mudar de casa. É já ali. Até já.

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